Esta tese se constitui de uma pesquisa sobre as formas de interpretação da paisagem cárstica de Santana da Serra (Capitão Enéas, Norte de Minas Gerais), que apresentou como objetivos: 1) Compreender as Florestas Estacionais Decíduas como comunidades vegetais estratificadas, pressupondo que seus aspectos fisionômicos, florísticos e estruturais variam seguindo gradientes ambientais na paisagem em escala local e regional; 2) Identificar as variáveis edáficas que contribuem para a formação do gradiente local e testar a hipótese de que a composição e estrutura da vegetação variam em função de atributos do solo; e 3) Compreender como a comunidade local distingue os ambientes naturais e manejados que compõem a paisagem e se apropriam dos recursos vegetais nas diferentes unidades ecológicas. Para tanto, utilizou-se grande variedade de métodos de pesquisa nas áreas de Pedologia, Ecologia e Etnoecologia. No gradiente ambiental da Serra de Santana, foram identificadas quatro fitofisionomias distintas: 1) Campo rupestre sobre afloramentos calcários de topo, onde foram amostradas 33 espécies (H’=2,86); 2) Floresta Estacional Decídua (Mata Seca) de escarpa calcária sobre Cambissolo, onde foram listadas 32 espécies (H’=2,76); 3) Mata Seca de encosta coluvial sobre Nitossolo Vermelho, onde foram registradas 34 espécies, (H’=2,84); e 4) Mata Seca de baixada sobre Latossolo Vermelho com murundus, onde foram amostradas 47 espécies (H’=3,31). No total, foram listadas 102 espécies e 33 famílias, sendo Fabaceae a mais rica (27 espécies). A composição de espécies e a estrutura da vegetação variaram entre as fitofisionomias, seguindo gradiente influenciado por variáveis edáficas. Por um lado, as variáveis pH, P, Na, Ca, SB e CTC se relacionaram a solos jovens nos topos e escarpas da serra. Por outro lado, os vetores Argila e H+Al se associaram a solos mais intemperizados como os Nitossolos da encosta coluvial e os Latossolos das baixadas. O campo rupestre sobre calcário representa formações relictuais de períodos secos passados e os Latossolos com murundus sustentam florestas decíduas diversas e de grande porte que remetem a períodos úmidos durante as flutuações climáticas quaternárias. Do ponto de vista etnoecológico, os agricultores e vaqueiros possuem amplo conhecimento sobre a paisagem local, incluindo características da vegetação, solos e ciclos naturais. Foram identificadas nove unidades de paisagem usadas como fonte de recursos vegetais pelos agricultores e vaqueiros de Santana da Serra: 1) Lajedos; 2) Serras; 3) Pés-de-serra; 4) Baixadas; 5) Vazantes; 6) Catanduvas; 7) Mangas; 8) Roças e 9) Quintais. No total, foram registradas 233 plantas reconhecidas como recurso para 11 categorias de uso. O rico conhecimento sobre plantas alimentares e sua alocação preferencial nos quintais, refletem formas de manejo adaptativo que contribuem para soberania alimentar e conservação da biodiversidade. A distribuição desse conhecimento entre as unidades ecológicas, que apresentam diferentes potenciais utilitários, revela estratégias de uso múltiplo da paisagem. Portanto, é possível interpretar e compreender a paisagem local, bem como suas formas de apropriação pelas pessoas, considerando tanto a diversidade disciplinar acadêmica quanto o conhecimento local.