Os impactos de barragens artificiais na estrutura da comunidade de peixes são bem
reconhecidos, no entanto os efeitos de represamentos nas espécies tropicais persistentes em
reservatórios são praticamente inexplorados. Este estudo investigou se represamentos afetam
a morfologia corpórea de Astyanax bimaculatus, um pequeno caracídeo amplamente
distribuído na América do Sul. Foram analisados indivíduos de dois tipos de habitats
(reservatório e rio) em três barramentos ao longo do Rio Paraíba do Sul. Estes represamentos
variam em relação ao grau de conexão entre os habitats: a) sem conexão; b) com escada de
peixes de funcionamento temporário; c) e com conexão permanente. A hipótese testada é de
que represamentos promovem diferenças entre habitats podendo resultar em divergência
morfológica nos peixes que os habitam. A morfometria geométrica foi a técnica utilizada para
obter as variáveis de forma e análises multivariadas empregadas para analisar as diferenças de
forma. A Análise de Função Discriminante classificou 70,3% (distância de Mahalanobis =
1,06; P = 0,0009) dos indivíduos dentro do habitat correto, confirmando a divergência
intraespecífica. Segundo a Análise Multivariada de Covariância, o habitat e o local (i.e.
comparação entre os pares de reservatório–rio) explicaram 23,2% e 35,7% da variância da
forma, respectivamente. Além disto, não foi encontrada interação significativa entre estes dois
fatores. Os indivíduos capturados em habitat de rio apresentaram corpo mais hidrodinâmico
(i.e. fusiforme), base das nadadeiras dorsal e anal encurtadas, boca relativamente voltada para
cima e nadadeira peitoral situada mais anteroventralmente em comparação aos de
reservatório. A menor diferença morfológica entre habitats foi constatada no barramento com
conexão permanente entre reservatório e rio. Concluí-se que o represamento de ambientes
lóticos é um fator atuante na diversificação de formas. Os padrões morfológicos observados
são consistentes com os princípios da morfologia funcional, sugerindo a divergência
adaptativa. Portanto, os impactos ambientais causados por barragens também devem ser
avaliados dentro do contexto da divergência morfológica, objetivando a adoção de medidas
apropriadas para o propósito de manejo e conservação.
It is widely known that dams alter the fish assemblage structure, but effects of river damming
on tropical native species persisting in reservoirs are largely unexplored. In this study were
examined whether impoundments affect the body shape of Astyanax bimaculatus, a widely
distributed characin fish in the South America. Individuals from three pairs of reservoir and
river habitats across the Paraíba do Sul River were analyzed. These impoundments vary in
relation to the degree of connection between habitats: 1) without connection; 2) with
temporary fishway; 3) and with permanent connection. The raised hypothesis is that
differences between habitats would result in morphological divergence in fishes that inhabit
them. Geometric morphometric methods were used to obtain shape variables and multivariate
analyses were performed to analyze body shape differences. The Discriminant Function
Analysis classified 70.3% (Mahalanobis distance = 1.06; p = 0.0009) of individuals into the
correct habitat, confirming the intraspecific divergence. According to the Multivariate
Analysis of Covariance, habitat and location (i.e. comparison among reservoir–river pairs)
explained 23.2% and 35.7% of partial variance in shape, respectively. Furthermore,
interaction was not observed. Individuals inhabiting rivers were streamlined (i.e. fusiform),
have a shorter dorsal and anal fin base, a relative upturned mouth and a more anteroventrally
pectoral fin than individuals in reservoirs. The lowest difference was found in the dam with
permanent connection between habitats. Therefore, the connectivity is an important factor
driving shape diversification. The observed morphological patterns are consistent with
functional morphological principles suggesting adaptive divergence. Thus the environmental
impacts of dams should also be evaluated within the morphological divergence context in
order to take the appropriated measures for management and conservation purposes.