Na Amazônia ocorrem solos antrópicos associados a assentamentos indígenas pré- colombianos chamados de Terra Preta de Índio (TPI). Diversos processos ecológicos e culturais associados à TPI permanecem desconhecidos ou muito pouco estudados, entre eles as trajetórias sucessionais da vegetação associada a esses solos e a importância das florestas secundárias que se desenvolvem sobre eles para as populações tradicionais. Esse trabalho teve como objetivo comparar florestas secundárias sobre solos antrópicos e solos não-antrópicos quanto à estrutura da vegetação, composição de espécies e quanto à utilização por populações tradicionais na região do médio Rio Madeira. Em três comunidades tradicionais no município de Manicoré foram estabelecidas 52 parcelas de 25x10 m sobre florestas secundárias de diversas idades sobre solos antrópicos e não-antrópicos. Em cada parcela foram coletadas amostras de solo e amostrados os indivíduos lenhosos com DAP ≥ 5 cm e todas as palmeiras com mais de um metro de altura. Dados etnobotânicos sobre a utilização de florestas secundárias foram obtidos através de entrevistas com 62 moradores das três comunidades. As florestas secundárias sobre solos antrópicos são floristicamente distintas de florestas secundárias sobre solos não-antrópicos e possuem maior abundância e riqueza de espécies domesticadas. O valor de uso dessas florestas secundárias é maior do que o valor de uso de florestas secundárias sobre solos não-antrópicos. Foram identificadas espécies indicadoras de solos antrópicos, tanto a partir dos dados de vegetação quanto dos dados etnobotânicos das entrevistas. A longa e intensa associação dos solos antrópicos com a atividade humana levou ao surgimento de florestas secundárias distintas e favoreceu a concentração de espécies úteis e domesticadas nesses ambientes. Isso faz com que os solos antrópicos funcionem como reservatórios de agrobiodiversidade. Florestas secundárias sobre solos antrópicos são uma importante fonte de recursos para populações tradicionais e representam ecossistemas únicos, contribuindo para a alta heterogeneidade e biodiversidade que caracterizam a paisagem da Amazônia.
Throughout Amazonia anthropogenic soils associated with pre-Columbian settlements are called Terra Preta de Índio (Indian Dark Earths, TPI). Ecological and cultural processes associated with TPI remain unknown or poorly studied, among them the successional pathways of the vegetation associated with these soils and the importance of secondary forests that grow on them for traditional people. The aims of this study were to compare secondary forests on anthropogenic soils and non-anthropogenic soils with respect to the vegetation structure, species composition, and their use by traditional people on the middle Madeira River, Amazonas, Brazil. Fifty-two 25x10 m plots were established on secondary forests in several stages of regrowth in three traditional communities located in the municipality of Manicoré. In each plot composite soil samples were collected and all woody individuals with diameter at breast height ≥ 5 cm and all palms higher than 1 m were sampled. Ethnobotanical data about the use of secondary forests was obtained through interviews with 62 local residents in the three communities. Secondary forests on anthropogenic soils are floristically distinct from those on non-anthropogenic soils and have a higher density and richness of domesticated species. The use value of these secondary forests is higher than that of secondary forests on non-anthropogenic soils. The indicator species of anthropogenic soils were identified, using data from the vegetation sampling as well as that obtained from the interviews. The long and intense association of anthropogenic soils with human activity has led to the formation of distinct secondary forests and has favored the concentration of useful and domesticated species. Consequently, anthropogenic soils and associated secondary forests may function as agrobiodiversity reservoirs. Secondary forests on anthropogenic soils are an important resource for traditional populations and represent unique human-influenced ecosystems that contribute to the high heterogeneity and biodiversity that characterize the Amazonian landscape.