Desde o século XIX, pesquisadores investigam a hipótese de que os grandes rios amazônicos funcionam como barreiras à dispersão de animais. Entretanto, estudos de caso usando anuros não detectaram este efeito dos rios da região até o momento. Este estudo buscou avaliar a influência do alto Rio Madeira sobre a divergência acústica e morfológica do dendrobatídeo Allobates femoralis. Para isso, foram estabelecidas 17 áreas de coleta em ambas as margens do Rio Madeira, no Estado de Rondônia, onde registrei os cantos de anúncio, peso e variáveis morfológicas externas de machos. Encontrei dois morfotipos distintos, que provavelmente representam táxons diferentes. Um, com cantos de anúncio de 2 notas, ocorreu apenas na parte ocidental da margem esquerda do rio, alcançando uma zona de contato parapátrica com o segundo morfotipo, onde atualmente não existem barreiras aparentes à dispersão. O segundo morfotipo, com cantos de 4 notas, ocorreu nos dois lados do rio. Análises de variância multivariadas (MANOVA) mostraram que, mesmo considerados os efeitos do tamanho do corpo, temperatura do ar e distância entre áreas de coleta, existem 3 grupos distintos em relação a características acústicas do canto e morfologia: Grupo 1: populações pertencentes ao morfotipo com cantos de 2 notas; Grupo 2: populações pertencentes ao morfotipo de 4 notas da margem esquerda; e Grupo 3: populações do morfotipo de 4 notas da margem direita. Diferenças nos comprimentos relativos dos dedos palmares e fator de condição em amostras do morfotipo de 4 notas corroboraram esses resultados. Concluí que existe evidência de que o alto Rio Madeira delimite populações distintas de A. femoralis. No entanto, uma população incluída nas análises acústicas e outra incluída nas análises morfológicas não corresponderam ao padrão encontrado, sugerindo que o efeito do rio não foi suficiente para resultar em diferenças totalmente fixas entre populações de margens opostas. Além da separação de populações pelo leito do rio, fatores geológicos como o limite entre dois domínios geo-morfológicos na margem esquerda do alto Rio Madeira, parecem ser necessários para explicar a divergência vocal e morfológica entre os morfotipos de A. femoralis encontrados na região.
Since the 19th century, researchers have hypothesized that large Amazonian rivers function as barriers to dispersal. However, case studies using anurans detected no river effect to date in the region. This study aimed to determine the influence of the upper Madeira River on acoustic and morphological divergence patterns in populations of the dart-poison frog Allobates femoralis. Seventeen collecting sites were established in forested areas on both margins of the upper Madeira River, in the Brazilian State of Rondônia, where I recorded the advertisement calls, weights and external morphological variables of E. femoralis males. I encountered two very distinct morphotypes, which probably represent distinct taxa. One, with a 2-note advertisement call, occurs only on the left bank of the upper Madeira River, up to a parapatric contact zone with the second morphotype, where there are presently no apparent barriers to dispersal. The second morphotype, with a 4-note advertisement call, occurs on both sides of the river. Multivariate analysis of variance (MANOVA) showed that, once the effects of body size, air temperature and distances between collecting sites have been removed, there are 3 distinct groups relative to vocalizations and morphology: Group 1: populations belonging to the 2-note call morphotype; Group 2: populations belonging to the 4-note calls morphotype inhabiting the left riverbank; and Group 3: populations belonging to the 4-note calls morphotype inhabiting the right riverbank. Differences between relative finger lengths and body condition among samples of the 4-note morph corroborated those results. We conclude that there is evidence for the upper Madeira River delimiting distinct populations. However, at least one population sample included in the acoustic analysis and another included in the morphological analysis did not correspond to the general divergence pattern, suggesting that the river effect has not been sufficient to result in fixed differences between populations of A. femoralis on opposite riverbanks. Therefore, besides the separation of population by the riverbed, geological features such as a limit between two geo-morphological units found on the left bank, are necessary to explain the vocal and morphological divergence between the A. femoralis morphotypes found in this region.