O objetivo desta dissertação é analisar, a partir de um estudo de caso em uma
comunidade tradicional da FLONA do Tapajós, os sistemas locais de apropriação e uso
dos recursos e suas implicações para os projetos de manejo comunitário. Foram
utilizados métodos convencionais e
participativos, com ênfase no mapeamento
comunitário. Em geral, os projetos de manejo comunitário assumem que as populações
rurais, sob regime de propriedade comum, manejam de forma coletiva todos os recursos.
Entretanto, existe um gradiente de apropriação e uso dos recursos, que vai desde o acesso
aberto, uso comum até o uso individual. Também concebem as comunidades rurais como
unidades sociais indiferenciadas, sem diversidade de interesses e necessidades. Partindo
desses pressupostos, os projetos tendem a idealizar a alocação dos recursos como sendo
coletivistas, ou seja, todos os moradores de uma mesma comunidade teriam capacidades
iguais de poder e recursos. Seguindo essa lógica, muitas intervenções são planejadas
visando o uso coletivo dos recursos, quando na realidade existem regras locais e variáveis sociais como: origem das famílias, parentesco, etnicidade, religião, idade e
relações de gênero; que definem a apropriação dos recursos e a organização do trabalho
nestas comunidades. No caso de Piquiatuba, a comunidade está dividida em cinco
núcleos familiares, com diferentes limitações e oportunidades, formados por grupos
domésticos fortemente ligados por relações de parentesco e identidade religiosa. Os
moradores de cada núcleo partilham sentimentos de localidade, convivência, práticas de
trabalho e de auxílio mútuo. Quando os projetos são direcionados aos núcleos familiares,
geralmente possuem maiores chances de oferecer respostas mais acertadas aos problemas
e necessidades de seus moradores, especialmente daqueles com menos visibilidade e
poder, como é o caso dos moradores do núcleo familiar do Vai-Quem-Quer. Além dos
fatores internos que definem os sistemas de apropriação dos recursos, o sucesso dos
projetos também depende do reconhecimento pelo Estado dos direitos de posse da terra e
dos recursos das populações rurais, especialmente daquelas residentes em áreas
protegidas, como é o caso das comunidades da FLONA do Tapajós. Quando seus direitos
são reconhecidos e respeitados, estas populações sentem-se mais motivadas a investir em
práticas de manejo de longo prazo e, ao mesmo tempo, possuem maior garantia e poder
de participação nas decisões sobre o uso dos recursos.
The objective this dissertation is to analyze, on the basis of case study of a traditional
community in the Tapajós National Forest, local resource uses and tenure systems and
their implication to community management projects. Conventional and participatory
methods were used, with emphasis on community mapping. In general, projects assume
that rural populations, under common property regimes practice collective management
of all resources. However, there is a gradient of resource use and tenure, which range
from open use, collective use to individual use. Usually these projects conceive rural
communities as undifferentiated social units, without diverse interests and needs. These
projects tend to idealize resource allocation based in a collectivist view. They consider
that all members of individual communities have equal power and access to resources.
Based on this logic many community interventions are planned with the intent of
promoting collective resource use, despite the existence of local rules and social
variables which define resource use and labor organization in these communities, such as: family orign, kinship, ethnicity, religion, age and gender. In the case of Piquiatuba,
the community is divided into five different family groups with different limitations and
opportunities, and comprised of family groups strongly linked by kinship and religious
identity. Members of family groups share feelings of locality, convivance, working
practices and mutual support. When the projects are directed to family groups they tend to
have grates chances to offe r appropriate solutions
to problems and needs of their
members, especially those with less visibility and power, such as the case of the family
group Vai-Quem-Quer. In addition to the internal factors that define resource use and
tenure systems, projects success also depends on the recognition of land tenure rights of
local community by the State, specially those residents of protected areas, such as the
case of communities of Tapajós National Forest. When their rights are recognized and
respected, these populations feel more willing to invest in long term management
practices such as forest management and, at the same time, grate power to participate in
the resource decision making.